CIA-BH divulga relatório estatístico de 2021 em BH
Tráfico de drogas e furtos lideram a lista dos atos infracionais praticados por jovens em Belo horizonte.
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A Vara Infracional da Infância e da Juventude de Belo Horizonte divulgou, nesta quinta-feira (26/8), o relatório estatístico sobre os atendimentos, atos infracionais e medidas socioeducativas aplicadas em adolescentes no ano de 2021, na capital.
O juiz Afrânio José Fonseca Nardy e o promotor de Justiça Lucas Rolla, apresentaram os dados em uma entrevista coletiva realizada na nova sede do Centro Integrado de Atendimento ao Adolescente Autor de Ato Infracional de Belo Horizonte (CIA-BH).
Durante 2021, foram registrados 3.649 atendimentos (entradas de um ou mais adolescentes), sendo que em 1.365 desses atendimentos foi constatada a reentrada de um ou mais adolescentes.
O documento registra a entrada de 2.102 adolescentes supostamente envolvidos na prática de um ou mais atos infracionais em 2021.
“Responsabilizar o adolescente importa em convocá-lo à compreensão do caráter ilícito do ato praticado. Esse processo de responsabilização não pode ser destacado das vivências concretas do adolescente”, afirma o juiz Afrânio José Fonseca Nardy.
No processo de responsabilização, segundo o magistrado, é importante que se compreenda a situação pessoal, familiar e socioeconômica dos adolescentes.
Ele destacou também a necessidade de se garantir “acesso a bens e direitos fundamentais, que permitam a construção de projeto de vida longe da prática de atos infracionais”.
O ato infracional análogo ao tráfico de drogas lidera os registros. Dos 3.135 atos infracionais contabilizados no ano, 1.336 referem-se ao tráfico de drogas e 288 ao porte/posse de drogas. Em seguida, aparece o furto, com 271 registros, e a receptação, com 170.
A lista segue com roubo (164), porte/posse de arma (153), ameaça (143), lesão corporal (126) e outros atos. O CIA-BH registou também 12 homicídios, 6 tentativas, 5 estupros de vulnerável e 2 estupros.
“A maioria dos adolescentes que se envolve com o tráfico de drogas é recrutada por organização criminosa para vigiar, transportar, esconder ou comercializar entorpecentes”, disse o juiz.
Segundo ele, as funções exercidas são arriscadas e expõem os adolescentes a situações de confronto direto com outras organizações criminosas ou com as forças de segurança pública. A maioria tem entre 16 e 17 anos e está em situação de evasão escolar, aponta o relatório.
Ainda em relação aos atos infracionais praticados, o relatório traz a distribuição espacial das ocorrências no mapa de Belo Horizonte.
O furto, segundo colocado na lista de atos praticados, está concentrado na região do Hipercentro da cidade, segundo o levantamento.
Segundo o magistrado, o envolvimento dos adolescentes com os atos de furto reflete a situação de vulnerabilidade das famílias. “Esses atos visam à subtração de jóias/bijouterias e celulares.
Esses adolescentes estão na linha de frente de um processo organizado por grupos estruturados (receptação), que devem ser combatidos.
O relatório apresenta ainda um perfil dos adolescentes apreendidos em Belo Horizonte: 86% são do sexo masculino, mais da metade tem 16 e 17 anos e, segundo pesquisa estatística do estudo, 88% se declararam como pretos e pardos e 60% têm renda mensal familiar de até 2 salários mínimos.
Para o juiz Afrânio José Fonseca Nardy, os dados indicam “processos de violência estrutural vivenciados na sociedade e necessitam de atuação integrada e reflexão do Sistema de Justiça e da sociedade”, com o objetivo de combater o racismo estrutural, a exclusão e a marginalização econômica, sem exclusão do processo de responsabilização do adolescente autor do ato.
Atuando nesta direção, foram aplicadas, em 2021, 745 medidas de proteção. As duas modalidades de medidas protetivas que se destacam, segundo o relatório, são o retorno às atividades escolares e encaminhamento para programas oficiais de aprendizagem, com acesso a cursos de capacitação profissionais.
“Temos realizado o acompanhamento dessas ações com grande atenção ao combate da evasão escolar, juntamente com outros atores envolvidos”, ressaltou o juiz.
Atendendo ao princípio da intervenção precoce prevista no ECA, os juízes que atuam no CIA-BH proferiram 2.055 decisões durante as audiências preliminares. Nessas audiências, em 20% dos casos, a Justiça determinou a internação provisória do adolescente e, em 40%, a aplicação de medidas socioeducativas sem privação da liberdade, com o encerramento do processo.
O tempo médio do processo até a sentença é de 100 dias.
Os dados mostram também que os adolescentes que se envolvem na prática de ato infracional e são submetidos ao processo de responsabilização estão acompanhando de uma forma muito mais próxima do que adultos que praticam atos análogos, ressalta o juiz. “A resposta estatal é ágil, firme e com consequências concretas na vida dos adolescentes”, afirmou.
Queda no número de atendimentos
O número de adolescentes que deram entrada no CIA-BH continua em queda desde o início da série histórica de 2015. O promotor Lucas Rolla destacou a atuação rápida que acontece no CIA-BH como um dos fatores que podem ter contribuído para a queda.
“No calor do ato infracional o adolescente é trazido para o CIA-BH, entrevista-se com delegado, promotor e defensor, a situação causa um impacto no adolescente”, disse o promotor. Mas ele defende a realização de um estudo mais amplo sobre a questão.
O juiz Afrânio José Fonseca Nardy também credita a queda nas entradas à dinâmica de funcionamento do CIA-BH. “A criação do CIA-BH, estruturado de forma integrada, com escuta qualificada no momento da apreensão tem resultados positivos”.
Mas o juiz também avalia que existem outros fatores para a queda que precisam ser investigados. Ele defendeu ainda que o Sistema de Justiça Juvenil desenvolva estratégias para estar mais presentes nos territórios dos adolescentes.
Justiça Restaurativa
O relatório traz também informações sobre a aplicação da Justiça Restaurativa no CIA-BH. Em 2021 esta forma de Justiça foi aplicada em 28 casos. A prática tem sido incentivada para situações de conflitos familiares e escolares.
“As práticas restaurativas hoje assumem a centralidade fundamental, principalmente no acompanhamento de casos que que envolve a prática de atos infracionais no âmbito familiar e escolar.
Essas ações são realizadas através de protocolos específicos de cooperação interinstitucional e alinhados com a política de Justiça Restaurativa do TJMG, com o suporte da Central de Apoio à Justiça Restaurativa (Ceajur)” explicou o juiz.
Em junho deste ano, o prédio passou a contar com salas da Ceajur. O espaço é exclusivo e adequado para o gerenciamento e a execução das práticas de justiça restaurativa desenvolvidas pelo TJMG por meio do seu Comitê de Justiça Restaurativa (Comjur).
O promotor Lucas Rolla destacou a atuação rápida que acontece no CIA-BH como um dos fatores que podem ter contribuído para a queda (Crédito: Eric Bezerra/MPMG)
Letalidade
O Fórum Permanente de Medidas Socioeducativas apresentou um estudo inédito no relatório sobre letalidade juvenil. O grupo pesquisou a ocorrência de mortes por causas externas em jovens que foram atendidos pelo CIA-BH.
O trabalho foi feito a partir de dados do Instituto Médico Legal (IML) de 2020 com dados do centro. O relatório aponta que 90 jovens que passaram pelo CIA-BH em algum momento morreram em 2020.
Para o promotor Lucas Rolla, as mortes desses jovens “precisam abalar” a sociedade, “precisamos pautar essa questão”, afirmou. Ele citou ainda uma campanha para mobilizar a sociedade sobre a letalidade juvenil.
A campanha #fazdiferença busca realizar um processo de escuta com profissionais de diversas áreas, além de pessoas e movimentos da sociedade civil, para mapear práticas e saberes que fazem diferença na preservação da vida de meninos e meninas.
O CIA-BH
Implantado em 2008, o Centro Integrado de Atendimento ao Adolescente Autor de Ato Infracional (CiaBH) presta atendimento ao adolescente autor de ato infracional, num mesmo espaço físico, por meio de uma equipe interinstitucional, composta por juízes de direito, promotores de justiça, defensores públicos, delegados de polícia, polícia militar e funcionários da Subsecretaria de Estado de Atendimento às Medidas Socioeducativas e da prefeitura municipal.
O adolescente participa de uma audiência preliminar até 24h após a apreensão.
O objetivo é tornar a jurisdição penal juvenil ágil e efetiva, seja na apuração da prática de atos infracionais, seja na aplicação e execução das medidas socioeducativas, através da integração operacional das instituições públicas que compõem o sistema de justiça juvenil.
Via Assessoria