Um dos maiores problemas de saúde pública do mundo, o fumo causa a morte de mais de 8 milhões de pessoas por ano, sendo 1,3 milhão devido ao tabagismo passivo. No Brasil, pesquisas nacionais conduzidas com adolescentes brasileiros levantaram um alerta sobre o aumento da iniciação ao tabagismo, atraídos pelos chamados vapes. Um em cada seis adolescentes brasileiros já experimentou cigarro eletrônico, segundo a última Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE). O consumo de adolescentes na faixa etária de 13 e 15 anos é de 13,6%, enquanto nos jovens, 16 a 17 anos, é de 22,7%. A experimentação do público masculino é de 18,1%. Do feminino, é de 14,6%.
A história deste aparelho começa na década de 1960. O primeiro dispositivo eletrônico para fumar (DEF) foi desenvolvido e patenteado em 1963 por Herbert A. Gilbert, mas não chegou ao mercado devido à falta de tecnologia. Em 2003, o farmacêutico chinês Hon Lik criou um novo modelo, posteriormente vendido por 75 milhões de dólares para a multinacional britânica Imperial Tobacco Group.
Esse tipo de vaporizador entrega nicotina em forma de aerossol, sendo divulgado como uma alternativa ao produto tradicional. Mas apesar de prometerem uma “nicotina mais limpa”, a maioria dos aparelhos não possui controle de qualidade padronizado, e seus usuários não se consideram fumantes.
Antonio Braz Pereira Júnior, Pneumologista e professor do curso de Medicina da Faseh, aponta os principais riscos à saúde associados ao uso de DEF. “Eles são capazes de desencadear patologias que vão desde a intoxicação aguda, passando por síndrome de dependência/abstinência até transtornos psicóticos. Além de aumentar o risco de doenças respiratórias como asma, doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC – síndrome clínica que engloba a bronquite crônica e o enfisema pulmonar), pneumonias e edema agudo de pulmão, o consumo desses e-cigarettes também pode causar problemas cardíacos, como infarto e arritmias fatais; danos ao sistema nervoso central com sintomas como fraqueza, dormência, perda de coordenação e prejuízos cognitivos; diferentes tipos de cânceres, incluindo câncer de pulmão, estômago, cérebro e rim; e outros sintomas, como irritação nos olhos, náuseas, diarreia, dores abdominais e articulares e cãibras”.
De acordo com o docente, a nicotina inalada em uma ‘tragada’ de um cigarro tradicional atinge o cérebro em aproximadamente 10 segundos. “Lá, se conecta aos receptores das células cerebrais capazes de reconhecê-la. Como resultado há a liberação dos neurotransmissores responsáveis pela sensação de prazer. Por ser uma substância psicoativa, a nicotina produz alterações no Sistema Nervoso Central, modificando o estado emocional e comportamental do fumante. Isso causa a dependência química”.
O médico explica os perigos associados ao uso dos e-cigarros. “Embora os e-líquidos também chamados de juice, sejam comercializados nas versões com e sem nicotina, uma pesquisa realizada em 2015 revelou que 99% de todos os produtos para os e-cigarettes, vendidos em lojas nos Estados Unidos, continham nicotina. E esse cenário não mudou. Por outro lado, não é apenas a nicotina o vilão. Hoje sabemos que existem mais de duas mil substâncias em seu interior”.
O médico ressalta as substâncias perigosas que podem estar presentes no vapor. “Esses componentes, sabidamente danosos à saúde, são liberados no vapor inalado por meio do aquecimento do líquido que entra em contato com a bateria de lítio. Esse aquecimento pode chegar a 350º C, temperatura que pode induzir reações químicas e mudanças físicas nos compostos de solventes como glicerina e propilenoglicol, gerando o formaldeído, o acetaldeído, a acroleína e a acetona, dentre outras substâncias”.
Além desses componentes, o aquecimento pode gerar a emissão de metais, metais pesados e partículas de silicato pelo vapor desses sistemas eletrônicos, conforme salienta o especialista. “Descobriu-se que sódio, ferro, alumínio e níquel estavam presentes em concentrações maiores nos vapores dos eletrônicos do que no tabaco. O cobre, magnésio, chumbo, cromo e manganês foram encontrados nas mesmas concentrações, e o potássio e o zinco em menores concentrações. Silício, cálcio, alumínio e magnésio foram os elementos encontrados em maior abundância no vapor”.
Juventude em perigo
Para Laís Nicoliello, pneumologista pediátrica e professora do curso de Medicina da Faseh, os cigarros eletrônicos já podem ser considerados uma ameaça à saúde pública. “O uso dos dispositivos eletrônicos de fumar vem crescendo em nosso país na última década. As informações de que eles não fazem mal ou que podem ser usados para reduzir o tabagismo apenas tentam diminuir ou minimizar os danos que de fato esse produto provoca no organismo”.
A médica reforça que a juventude é o segmento mais vulnerável aos efeitos dos DEFs. “Por se tratar de aparelhos pequenos, coloridos, modernos, que não têm aquele cheiro nem a fumaça, os vapes têm alcançado principalmente o público jovem e masculino. Dessa forma, eles começam no tabagismo com a falsa sensação de que não estão fumando, de que não faz mal porque não tem nicotina, o que não é verdade”.
A docente reforça o papel da educação e da conscientização na prevenção do uso de cigarros eletrônicos. “O Brasil é referência internacional no combate ao tabagismo. Tivemos medidas políticas importantes que resultaram em uma redução significativa do número de fumantes no nosso país. Entretanto, com a introdução dos DEFs, há um aumento progressivo do número de usuários. Por isso, é tão importante a conscientização da população, por meio de políticas públicas em escolas, e campanhas educativas nos meios de comunicação, para que as pessoas entendam que os vapes não são isentos de risco, muito pelo contrário”.
“A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) proíbe a comercialização, a importação e a propaganda de qualquer dispositivo eletrônico de fumar, contendo ou não nicotina. Mas como não há um controle da Anvisa, também não há um controle do que há no aparelho, o que pode gerar ainda mais danos à saúde populacional”.