TUG OF WAR (CABO DE GUERRA), Amil Shivji

4ª semana de Cinema Negro começa nesta sexta-feira, de 13 de setembro, com exibição de 60 filmes realizados por pessoas negras brasileiras, africanas e da diáspora caribenha

Dando continuidade ao trabalho que vem realizando ao longo de três anos a Semana de Cinema Negro terá programação gratuita presencial e on-line.

A 4ª Semana de Cinema Negro de Belo Horizonte começa nesta sexta-feira, dia 13, no Cine Humberto Mauro/ Palácio das Artes e acontece até dia 20 de setembro. A cidade será contemplada com mostras de filmes nacionais, internacionais, debates e atividades formativas. Além de sessões com filmes contemporâneos de cineastas brasileiros, homenagens, cinemas africanos e caribenhos. O festival acontece em formato híbrido, com exibições presenciais e online. A programação, que é integralmente gratuita, também estará no Cine Santa Tereza, a partir do dia 19 de Setembro. A abertura oficial conta com o filme Twice In The Oblivion (Duas Vezes Esquecido) do diretor haitiano Pierre Jean Michel, que narra a história ocorrida em 1937, quando o ditador dominicano Rafael Trujillo ordenou o massacre de mais de 20 mil imigrantes haitianos na República Dominicana.

Janaína Oliveira, curadora do festival diz: “O Caribe é tudo menos uma coisa só. A existência em arquipélago que marca a regionalidade das ilhas é atravessada de expansividade e diversidade, como dizia o poeta e filósofo martiniquense Édouard Glissant: ‘E, se os continentes nos oprimem, o arquipélago é um espaço de relação que possibilita todas as incontáveis particularidades do real”.

O festival contará com duas mostras dedicadas ao cinema no Caribe, Arquipélago de Cinemas: filmes contemporâneos do Caribe que é composto por três documentários que dialogam com a inventividade e opacidade desse modo arquipélago que é o Caribe. Dois filmes são do fotógrafo e diretor Pierre Jean Michel, Twice In The Oblivion (Duas Vezes Esquecido) e Toro la Cou, uma imersão na cultura musical do Rara, que é simultaneamente um estilo de música e dança, um festival, uma forma de protesto político, uma devoção. O terceiro filme é Ramona, segundo longa-metragem da diretora dominicana Victoria Linares Villegas.

A segunda mostra é Revolucionária antes de tudo: o cinema de Sara Gómez. A restauração recente do clássico De Certa Maneira (1977), reavivou o interesse de pesquisadores e do público em geral pela obra dessa que é uma das cineastas mais importantes da história do cinema, o filme será exibido no Cine Santa Tereza. Exibiremos também os curtas Iré a Santiago (1964), Guabanacoa: Crónica de mi familia (1966) e Una isla para Miguel (1968). Sara Gómez foi a primeira cineasta formada no Instituto Cubano de Arte e Indústria Cinematográficos (ICAIC), logo nos anos subsequentes à Revolução de 1959, os outros três filmes estarão na programação do Cine Humberto Mauro/ Palácio das Artes.

O senegalês Djibril Diop Mambéty costumava dizer que a África era o futuro do cinema, acreditando nisso desde a primeira edição a Semana se dedica a difundir cinematografias africanas. Nesta edição será apresentada a mostra Muitas Áfricas: um olhar sobre produções contemporâneas do continente, que dá destaque a obras premiadas de realizadores contemporâneos. Quatro filmes integram a seleção, os documentários Omi Nobu (2023) do cabo-verdiano Carlos Yuri Ceuninck, é um filme potente e sensível que foi vencedor do prêmio principal do FESPACO 2023 e Nós, estudantes! (2022), de Rafiki Fariala que apresenta uma reflexão sobre a realidade de estudantes universitários em Bangui, capital da República Centro-Africana.

Nas ficções estão o celebrado tanzaniano Tug Of War (Cabo de Guerra) (2021), de Amil Shiv baseado em romance homônimo de Shafi Adam Shafi, que conta uma história de amor e política durante os últimos anos coloniais de Zanzibar e Nome, último filme de Sana Na N’Hada cineastas que figura entre os pioneiros do cinema em Guiné-Bissau. Nome teve sua estreia mundial no Festival Internacional de Rotterdam (IFFR) e foi produzido pelo escritor e curador guadalupeano Olivier Marboeuf que também assina o roteiro e se propõe revisitar os anos de juventude do diretor e a luta difícil contra o exército colonial português de 1969 a meados da década de 1970.

Sessão Especial Pioneiros dos Cinemas Africanos: Timité Bassori e Paulin Vieyra -“Um cinema feito por africanos, com temas africanos, para um público africano. Foi assim que Manthia Diawara, um dos principais estudiosos dos cinemas africanos, definiu a empreitada inicial dos cineastas que abriram o front na produção de filmes no continente. Em comum, os filmes dessa geração possuem uma forte argumentação sobre os danos decorrentes das violências da colonização europeia”, explica a curadora Janaina Oliveira.

Em 2024, a Semana dá sequência à linha curatorial que a caracteriza desde a primeira edição, que se propõe a celebrar pioneiros do cinema em África. Dessa vez, a curadoria conjuga a crítica do cotidiano de dois filmes de Paulin Vieyra (Benin/Senegal) com as explorações dos traumas psicológicos e do imaginário místico de Timité Bassori (Costa do Marfim).

Vieyra, primeiro africano estudar cinema na França, fez juntamente com Mamadou Saar e o assim chamado Grupo de Cinema aquele é considerado o abre alas dos filmes africanos, Afrique Sur Seine (África no Sena, 1955). Além deste, a Semana exibirá Lamb – La Lutte (Lamb, a Luta), documentário de 1963 em que Vieyra apresenta as dinâmicas da luta-livre tradicional do Senegal. Em 1964, Lamb participou da seleção oficial do Festival de Cannes, sendo a primeira vez que um filme da África subsaariana foi selecionado. Tanto Afrique Sur Seine quanto Lamb – La Lutte serão exibidos em cópias restauradas.

Assim como Vieyra, o marfinense Timité Bassori também estudou no IDHEC, Instituto Cinematográfico, em Paris cidade onde, também ingressou na carreira de ator, integrando o primeiro companhia negra de teatro – Les Griots – do qual faziam parte os cineastas Sarah Mardoror e Med Hondo (Homenageado em 2022 pela Semana), além da atriz e cantora Toto Bisainthe e o ator Robert Liensol. A programação apresenta seu primeiro curta-metragem, trabalho de conclusão do curso de cinema, Sobre a duna da solidão (1964), filme que traz uma pitada de realismo fantástico ao explorar a lenda de Mami Wata. E também o eletrizante thriller A mulher com a faca, no qual Bassori explora os conflitos psicológicos dos africanos que retornam ao contente depois de terem imigrado para Europa. Essa sessão estará na programação do Cine Santa Tereza.

A mostra Abrindo caminhos: obras precursoras dos cinemas negros no Brasil, chega na quarta edição da Semana de Cinema Negro celebrando a trajetória dos cinemas negros no Brasil, apresentando na programação uma seleção de filmes de cineastas que abriram os caminhos para a gerações contemporâneas, explica a curadora Janaina Oliveira.

Segundo ela, a inspiração para esse programa vem do gesto agregador de Zózimo Bulbul quando em 2006 lança um DVD com “Obras Raras: O Cinema Negro na Década de 70”, “que afirma e preserva” a memória tão relevante desse grupo de diretores da qual ele também fazia parte. Por este motivo, além de Um é pouco, dois é bom (1970) de Odilon Lopes, Na boca do mundo (1976), de Antônio Pitanga, As aventuras amorosas de um padeiro (1978) de Waldir Onofre, também integra a seleção Abolição (1988) único longa-metragem de Bulbul.

A proposta da curadoria é louvar os diretores e os filmes que, de maneiras diferentes, lançaram as bases para o florescimento das produções negras no cinema do Brasil. Em comum, além do caráter precursor de suas obras, esses diretores tinham até recentemente a sina desoladora de terem dirigido somente um longa-metragem em vida. Esse triste marcador que aponta para a reprodução no universo do cinema das estruturas históricas do racismo no país, será quebrado em Outubro de 2024, quando Antônio Pitanga lançará em circuito comercial Malês, seu segundo longa de ficção. Que seja esse sinal de novos tempos, onde cada vez mais cineastas têm a possibilidade de realizar filmes de longa-metragem.

A Sessão Homenagem Maria José Novais Oliveira da 4º Semana de Cinema Negro de Belo Horizonte celebra a trajetória profissional e a vida da mãe de Dandara, documentarista, roteirista, pesquisadora e professora-cineasta, Lilian Solá Santiago. Autora de documentários premiados como Família Alcântara (2004, com Daniel Santiago), Balé de Pé no Chão (2005, com Marianna Monteiro), Graffiti (2009), Eu tenho a palavra (2011) e Batuque de Graxa (2012), Lilian Solá Santiago trabalha na encruzilhada da história com o cinema, se aproxima das memórias negras para criar suas imagens com uma escuta sensível e perspicaz. Esta sessão é um convite para a escuta e imersão nas histórias documentadas por Lilian, após a exibição dos filmes, o público poderá usufruir de uma conversa presencial da homenageada com a curadora da mostra Alessandra Brito. Essa sessão conta com recurso de acessibilidade (legendas descritivas) e a conversa com intérprete de Libras

 

A mostra de filmes brasileiro Cine-Escrituras Pretas é um dos grandes destaques da programação, por apresentar obras contemporaneas de realizadores negros brasileiros. A mostra recebeu, através de chamamento público, cerca de 220 inscrições de filmes de diversas regiões do Brasil. Foram selecionados 23 filmes, sendo 22 curtas e um longa para compor a programação. A curadoria foi realizada por Anti Ribeiro, Fabio Rodrigues Filho e Yasmine Evaristo, na apresentação da mostra os curadores dizem: “Há um texto célebre em que Conceição Evaristo comenta o gesto obstinado de sua mãe a desenhar um sol na terra molhada para chamar a chuva. Sua mãe, lavadeira, dependia do sol para concluir seu trabalho e poder, quem sabe, garantir o mínimo sustento e o parco descanso: “aquele gesto de movimento-grafia era uma simpatia para chamar o sol. (…) Minha mãe não desenhava, não escrevia somente um sol, ela chamava por ele”. O título desta coleção de obras contemporâneas, “Cine-Escrituras Pretas”, adianta essa forma de expressão que passa pela linguagem cinematográfica, transformando-a, e reinventando-se preta. Os filmes da mostra Cine-Escrituras Pretas estarão disponíveis online na plataforma Ubuplay (ubuplay.com), a Plataforma de Streaming destina-se aos filmes realizados por pessoas negras dos países afrodiaspóricos.

Para o público infantil a Semana realiza a mostra Ibejis, nela serão apresentados 17 curtas-metragens que afloram a imaginação infantil. O festival convidou a curadora Kalor Pacheco, realizadora da mostra Além-Mar, que nasceu em 2022, no município de Camaragibe – PE e Territórios Aliados, com o objetivo inicial de mapear e divulgar produções animadas feitas por pessoas negras e originárias. Os filmes são conteúdos infantis intrigantes, videoartes, entre outros formatos que animadores lançaram nos últimos anos.

Atividades Formativas

Em 2024 a Semana renova sua parceria com o FICINE (Fórum Itinerante de Cinema Negro) para realizar mais uma edição Políticas do Olhar – Diálogos sobre Curadoria e Descolonização, uma série de conversas ao vivo com curadores de cinema da África e das diásporas, criada por Janaína Oliveira em 2019.

 

O Políticas do Olhar parte da constatação de que, nos últimos anos, os debates sobre curadoria em cinema têm se tornado cada vez mais frequentes nos festivais do Brasil e do mundo. E que, no centro deste movimento está a compreensão de que as curadorias, para além das dimensões artísticas e criativas, são também lugares de exercício de poder, impactando diretamente nas trajetórias de filmes, na formação das plateias e no universo da crítica cinematográfica.

Ao conversar com curadores negres, negras e negros da África e da diáspora, sobre suas trajetórias profissionais e propostas curatoriais, a série pretende não só explorar os meandros diversos imbricados no trabalho de curadoria como também inspirar novas gerações de amantes de cinema que aspiram se dedicar a esta atividade. O Políticas busca destacar iniciativas que apontem para uma cultura fílmica diversa e não-hegemônica que emergem a partir do momento que outras presenças ocupam o lugar de curadoria.

 

Esse ano o Políticas conversa com Jonathan Ali, programador de cinema, curador e escritor. Ali começou a sua carreira no Festival de Cinema de Trinidad e Tobago (2006-2015), onde, entre outras iniciativas inovadoras, foi curador da primeira retrospectiva caribenha da obra de John Akomfrah e do Black Audio Film Collective. Desde 2016 é Diretor de Programação do Third Horizon Film Festival de Miami e, em 2022, foi curador de uma retrospectiva do trabalho da realizadora franco-caribenha Sarah Maldoror. Ali estará presencialmente conversando com a curadora Janaína Oliveira, esta atividade conta com tradução consecutiva do inglês para o português.

 

Contaremos também com a Masterclass de Direção de Atores, ministrada por Georgina Castro que é atriz, roteirista e preparadora de elenco. Os participantes serão convidados a entrar em uma imersão prática dentro do processo de direção de atores e preparação de elenco, a partir de exercícios de cena, visando promover diálogos sobre essa etapa de trabalho tão fundamental para a qualidade de uma obra audiovisual. Esta atividade acontece em parceria com o Projeto Paradiso, que é uma instituição filantrópica que investe em formação profissional e geração de conhecimento no setor audiovisual, com programas de bolsas e mentorias, além de cursos, seminários e estudos. As inscrições vão até o dia 15 de setembro (segunda-feira), através do link: https://forms.gle/QDg3gcrJcDr6AoMK6.

 

Para fechar, ocorrerá a oficina Oficina Fragilidades: desenvolvimento de longa-metragem, onde Paula Santos e Bruno Hilário irão apresentar conteúdo um aprofundado sobre a formatação e o desenvolvimento de projetos de longa-metragem, considerando contextos descentralizados de realização. Seu conteúdo perpassa as etapas de roteirização (da ideia original ao primeiro tratamento do roteiro), a pesquisa, o papel da direção e conceitualização estética, a estruturação do projeto executivo e o papel do produtor no processo criativo e logístico da etapa de desenvolvimento. As inscrições vão até o dia 13 de setembro (sexta-feira), através do link: https://forms.gle/seVmsGHFDhUqagGm6.

 

A semana se expande – Além da programação de filmes, nesta edição haverá uma programação especial com música e artes, por meio de uma parceria com o Gira da Quebrada, um projeto que busca transitar em por diversas artes, música, dança e poesia sendo um verdadeiro oásis cultural. Mais que um projeto, é um movimento que celebra a riqueza e a diversidade da cultura afrodiásporica em várias de suas formas. Reunindo expressões artísticas, o Gira oferece desde sets de música que transitam pelas sonoridades afro, até performances de dança, moda, culinária, intervenções poéticas e etc.

 

O projeto cria espaços inclusivos e acolhedores, sempre celebrando os bons frutos culturais colhidos na periferia e promovendo uma festa que vai além do entretenimento, resgatando a autoestima e fomentando o empreendedorismo. A cada edição, o Gira se reinventa, trazendo novas possibilidades e fortalecendo os laços da comunidade com muita arte, música, alegria e resistência. O grupo segue a filosofia “Nós por nós”.

 

Esse ano a identidade visual do festival é composta por obras da artista Ana Paula Sirino. Nascida Ana em Sabinópolis, na região do quilombo do Torra, onde cresceu e passou o maior tempo de sua vida. Através de uma pesquisa autodidata com fotografia e pintura, a artista apresenta pinturas com personagens, elementos,

paisagens e relações de cenas que despertam familiaridade e nostalgia por uma permanência de memória, de quem vive ou viveu em contexto de aquilombamento ou afastado dos grandes centros.

 

Mais informações sobre a programação:

Instagram: https://www.instagram.com/semana.cinemanegrobh/

Site: www.semanadecinemanegro.com.br

 

Sobre a Semana de Cinema Negro de Belo Horizonte

 

A Semana de Cinema Negro é um espaço de formação tanto profissional para as pessoas que constroem o festival, quanto para o nosso público que acessa aos filmes que raramente são exibidos no Brasil. O festival apresenta e discute as semelhanças que pessoas negras do mundo todo compartilham. Ainda há muito a ser descoberto do cinema africano, diaspórico e brasileiro, portanto, a Semana de Cinema Negro de Belo Horizonte, se propõe a contribuir nessa descoberta. O festival promove um encontro de Minas Gerais, um dos maiores polos do cinema realizado por pessoas negras, com filmes do continente africano, da diáspora e de pessoas negras brasileiras. Na primeira edição, a Semana de Cinema Negro de Belo Horizonte evidenciou festivais que existem e resistem como por exemplo a mostra principal Cinemas Africanos em revista: as origens do FESPACO que homenageou os 50 anos do Festival Panafricano de Cinema e Televisão de Ouagadougou que acontece em Burkina Faso.

 

A 4ª Semana de Cinema Negro Esse projeto é produzido pela Quiabo Produções e Carapiá Filmes, realização SECULT – Lei Paulo Gustavo, ID 259384.

 

APOIO:

Fundação Clóvis Salgado/ Palácio das Artes

Instituto Cervantes Belo Horizonte

Embaixada da França no Brasil/ Cinemateca da Embaixada da França

Cine Humberto Mauro

Cine Santa Tereza

FICINE – Fórum Itinerante de Cinema Negro

Projeto Paradiso

Ubuplay

Gira da Quebrada

Hotel Royal

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